ape

o desarranjo poético

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

ah que saudade.

            Algumas lembranças nossas são dignas da saudade.  Essas tem que ser aveludadas e um pouco amareladas pelo passado, se não trate de esquece-las.  Há quem diga que tem de ser azuladas ou em tons fortes de vermelho, todos uns tolos e mentirosos, pois só o gasto do amarelo tem um charme eterno, charme com cheiro de pó e mofo, charme com cara de ainda moço (em toda sua velhice), como goiaba madura que perdeu seu doce verde mas deixou a gostosura.  Creio ter me expressado mal e perdido sua atenção, leitor.  Mal nenhum há nisso, tratemos de recomeçar.  Amarelo, bingo!  essa é a cor para se lembrar.   Saudade e o amarelo combinam!  Incontestável afirmação, nem ouse.  Se quiser colocar alguns buracos nos cantos fique mais que à vontade, contudo saiba que são como cerejas num sorvete, coloque uma ou duas; não mais, pois ficará carregado demais.  (traças agradecem)
           Ainda me lembro das minhas primeiras saudades.   Saudade de casa, da mãe, da praia, dos primos então...  Saudade sentida quando se é criança, quando a densidade das coisas não importa se pudermos brincar lá fora por mais cinco minutos.  Tenho também algumas daquilo que é chamado pré-adolescência.  Essas praticamente se baseiam em amigos e projetos de amor e são com toda a certeza as mais embaraçosas, e que gerarão as mais prazerosas gargalhadas quando eu estiver velho e doido, só pela inocência de tudo aquilo.  Estou agora na época das saudades de recentes, afinal nem passei da adolescência ainda, o que me faz lembrar que um texto escrito por um dito adolescente jamais receberá crédito algum (a não ser que eu seja um viciado em craque que matou os pais).  De volta as saudades recentes.  
           São as mais simples, penso eu.  Além de serem sem limite de idade, tanto um velho moribundo quanto uma criança podem senti-las.  Um grandioso jantar, um dia inesquecível, uma pessoa muito bonita sentada na esquina, um pôr-do-sol, um beijo, um abraço, algo especial (nem que por um mero segundo).  Lá vou eu de novo como exemplo... sinto saudade de um dia na praia, e meu amigo, isso foi ontem!  Engraçado que não sei o que fez o dia tão especial.  Aparentemente normal, banho de mar, amigos, violão, pessoas feias e bonitas com pouca roupa, um dia de praia como qualquer outro.  E ai está a magia do negócio, esse desconhecer, esse não saber... apenas sentir em cada poro o momento, sem nenhuma espécie de reflexão.  Quem sabe demais enlouquece.  O divã do analista sabe tudo de todos,  e é infeliz o coitado.
           Infelicidade.  Tópico perigoso.  Alguns acabam entregando demais o jogo quando falam desse assunto.  É como quando se sai do banho para pegar o shampoo que acabou e se pensa que não é preciso  toalha no chão para chegar no armário, afinal são só alguns passos, é perto...  não tem como escorregar.  Alguns acabam de queixo quebrado.  Acredito que a saudade só pode ser infeliz se não vivida.  Explico sim.  Saudade do que não aconteceu, leitor.  Com dois dedos de arrependimento, um de impotência e sem gelo.  Aquela que desce ardida.  Que atormenta a todos e mata alguns (como sempre, os artistas).  Fora estas elas são todas lindas, momentos eternos em nossas vidas efêmeras.  Sonhos encarnados e cravados no ontem.  Instantes que poderiam ser vividos e revividos.

e eu?  eu voltaria pro amarelo daquela praia e viveria lá para sempre.

Um comentário: