ape

o desarranjo poético

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Demoiselle.

     Final de uma noite fria. A água quente corria sobre o couro cansado.  Apesar da cara de gozo e alívio, as costas ardiam e, vermelhas, choravam.  O homem que alí estava contemplava com um olhar insone e pouco concentrado os móveis, os azulejos e um reflexo seu que tomava um quê inusitado devido às inúmeras rachaduras do espelho.  Subitamente a imagem se foi, tomando conta uma figura disforme.  Havia embaçado.
     Depois de terminar seu banho, secando seu cabelo notou que seu reflexo ainda não voltara.  Sem pretensão alguma caminhou até bem próximo do espelho, afinal tinha que pentear seu cabelo.  No que chegou lá, por impulso, levou seu dedo até a superfície gélida e sua pele quente desenhou um sujeitinho, só ele.  Observou o rapaz flutuante e achou fantástica sua ausência de "pés no chão".  Riu consigo mesmo e empolgado continuou sua obra.  Um pássaro foi o que ele fez, cortando o céu de seu reflexo deformado.  Agora os dois compartilhavam do mesmo céu, das mesmas nuvens, da mesma liberdade...  E ele, sozinho, sonhava.  Foi então que no último espaço que sobrara rabiscou homem e pássaro, juntos.  Dom quixote e seu alazão, conquistando a imensidão do espelho do banheiro.  Riu consigo mesmo mais uma vez, e desta vez puxou o ar para os pulmões e baforou o hálito morno contra sua criação, que desapareceu tão veloz quanto havia sido criada.  Julgou-se louco e ainda pôs a culpa nas horas mal dormidas para tais alucinações.  Quando na cama prometeu reduzir o café e comprar um travesseiro de penas.
     Ele não reduziu o café.  Ele não comprou um travesseiro de penas.  Tampouco passou a dormir cedo.  E eu...  Bom, eu observo pássaros voando em uma praça com seu nome

aliás, não só pássaros

Um comentário:

  1. hahahaha ficou muito bom. não tinha terminado de ler, antes.

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